quinta-feira, 14 de novembro de 2013

A direita deve agradecer ao PT

Pode-se dizer muita coisa do PT, mas todos devem reconhecer o grande mérito do partido: amaciar e controlar a esquerda brasileira. Basta olhar a vizinhança, com quem compartilhamos geografia, história política e econômica.

O tsunami esquerdista que dizimou o ambiente econômico e político de Venezuela, Argentina e coadjuvantes aqui, em comparação, foi marolinha. Não foi Lula quem exterminou a direita, mas a direita que cooptou Lula e PT. As fronteiras entre os dois campos são muito mais rígidas nas colunas de opinião do que na prática política efetiva.

Os membros do partidão acabam de reeleger seu presidente, Rui Falcão, com cerca de 70% dos votos. Nunca antes o vencedor teve parcela tão grande dos votos, mas nunca tão poucos votaram no PED (Processo de Eleição Direta) do PT, o mais democrático dos partidos brasileiros.

O cientista político Rudá Ricci viu na vitória de Falcão a transformação do PT de um partido de bases e participação direta em um "partido da ordem", muito mais governista que esquerdista.

Esqueceram de avisar a Dilma, alguns diriam. A presidenta está de fato muito à esquerda de seu criador. Mas está muito à direita dos caudilhos bolivarianos. Se por lá o fracasso de planos e ideias malucas na economia levaram a mais aperto econômico e político, por aqui o governo petista ensaia afrouxamento do regime.

O que é a exumação de Jango e as comissões da verdade perto do julgamento dos crimes da ditadura Argentina? O que são o mau humor com o capital e a estadolatria dilmista diante dos descalabros de Chávez e agora Maduro na Venezuela e dos Kirchner na Argentina?

O Brasil perto da Venezuela é uma Suíça. O berço do socialismo do século 21 afunda numa crise econômica e política que parece irreversível sem ruptura traumática (uma ruptura que colocaria o Brasil, aliado incondicional do chavismo, em situação complicada).

A última do governo do presidente Nicolás Maduro foi a criação de tribunais de exceção na Venezuela para processar empresários ("especuladores") por lucros "exagerados". Dezenas de pessoas foram presas acusadas de usura, e massas invadiram lojas forçadas a conceder grandes descontos. É um cenário impossível por aqui, muito graças ao PT, que anulou essa via e com isso reduziu o risco Brasil de uma forma que só ele poderia.

O pragmatismo de Lula e outras lideranças petistas processaram corretamente o que o Datafolha quantifica ano após ano: a maioria dos brasileiros tem valores conservadores. Os petistas foram para a direita e foram para o abraço.

Mesmo Dilma pode contribuir do seu jeito nesse movimento. Ela assumiu a condução de um Brasil forte e exuberante e desperdiçou boa parte desse capital em políticas econômicas ineficientes. Os resultados foram frustrantes em termos de crescimento, balança comercial, endividamento público, inflação, investimento, confiança... E se o fracasso de suas políticas estatizantes atrasou o desenvolvimento, ao menos pode trazer vacina contra o hiperativismo estatal.

Se os petistas achincalharam governos anteriores por suposta obediência ao FMI, que, afinal, era nosso credor, a oposição pode dizer que o governo petista recua envergonhado diante das ameaças de revisão da avaliação da situação fiscal brasileira pelas agências de risco americanas.

O medo que o governo Dilma mostra diante do escrutínio dessas agências, pilares do capitalismo financeiro global que o PT ama odiar, é sinal de que não estamos tão mal assim. A eleição acachapante de Rui Falcão é outro.

A direita deveria agradecer. Governa por procuração.

Só não podemos radicalizar. Além de conservadores, os brasileiros são também tolerantes. Contradições de uma nação complexa demais para ser reduzida em direita e esquerda, governo e oposição.

sérgio malbergier Sérgio Malbergier é consultor de comunicação. Foi editor dos cadernos "Dinheiro" (2004-2010) e "Mundo" (2000-2004), correspondente em Londres (1994) e enviado especial da Folha a países como Iraque, Israel e Venezuela, entre outros. Dirigiu dois curta-metragens, "A Árvore" (1986) e "Carô no Inferno" (1987). Escreve às quintas no site da Folha.

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