A nova direita e o «Estado mínimo»
A nova direita e o «Estado mínimo» |
(ou a paralisia da «mão esquerda» do Estado) Um dos pilares fundamentais em que tem vindo a assentar a retórica do que podemos designar como a reedição do laissez-faire novecentista (1870-1945), e que teve o seu início com a crise petrolífera de 1973 e a decisão de Nixon em romper com o sistema de Bretton Woods (que permitiu o chamado compromisso histórico entre capital e trabalho, originando o que viria a ser designado como a Era Dourada do século XX e cujo marco essencial foi a emergência do Estado-social ou a «mão esquerda» do Estado), é a confinação do Estado a tarefas regulatórias mínimas, deixando ao mercado a função regulatória essencial: a promoção da riqueza e a sua distribuição equitativa e justa. Em duas palavras: Estado mínimo. A tese em questão, como se vê, não é nova e de «liberal» tem muito pouco (talvez apenas a qualificação ressignificada pelos arautos do chamado «mercado livre»). Uma leitura atenta e séria de Adam Smith (autor repetidamente convocado para a legitimar) não pode deixar qualquer dúvida quanto à necessidade do Estado em providenciar aquele amplo conjunto de acções de protecção às populações trabalhadoras que o mercado não pode nem sabe fazer, pois as boas acções que produz resultam, nas palavras do autor em questão, de processos não intencionados e que, primariamente, visam satisfazer outros interesses. Ou seja, o mercado satisfaz, em primeiro lugar, os seus próprios interesses, constituindo esta dimensão a matriz da sua natureza. Só depois, involuntária e marginalmente, é que poderá permitir a satisfação de outros interesses, que nunca estarão garantidos a priori e ninguém pode assegurar que se venham a verificar. Por isso é que Adam Smith dedicou uma importante parte do seu trabalho teórico (Livro V de "Riqueza das Nações"), pois sabia as limitações que o mercado já então revelava em promover o bem-estar geral (facto que todos podemos comprovar empiricamente se soubermos ou quisermos libertar-nos da dimensão ideológica que tem vindo a legitimar as cíclicas investidas do liberalismo económico em busca da maximização dos lucros do capital). Vem isto a propósito das políticas que, desde os anos 70, se têm vindo a tornar hegemónicas no mundo, muito pela acção das instituições internacionais que, curiosamente, emergiram no quadro do sistema de Bretton Woods (FMI e Banco Mundial), mas também pela capitulação aos interesses do capital financeiro dos partidos de inspiração social-democrata, que se têm vindo a revelar como excelentes alunos na escola do mercado livre que, alegadamente, se auto-regula (uma tese nunca demonstrada, apesar da galeria de nobilizados no campo!) Um dos «bons» exemplos destas políticas (e que demonstram a justeza das críticas marxianas à economia política) encontra-se, actualmente entre nós, com a governação do bernsteiniano Sócrates. O primeiro (e decisivo) indicador do sentido político da acção governativa é o papel central do Ministério das Finanças nesse processo; o segundo prende-se com a obsessão (oculta na retórica mas visível na prática) com a chamada «racionalização» da Administração Pública, traduzida pelos cortes profundos e cegos nos domínios da educação, da saúde e da segurança social (dos pobres); por último, a comprovação da tese de Chomsky, que se pode traduzir no reforço da segurança social dos poderosos, com a manutenção das políticas de apoio às empresas em geral e ao sector financeiro em particular, nomeadamente através das políticas de tributação dos lucros e de incentivos fiscais sem garantias de qualquer tipo de retorno (e que frequentemente se transformam em deslocalizações), de atribuição de subsídios e de privatização. É este o significado de Estado mínimo que se encontra subjacente à ideologia neoliberal cada vez mais hegemónica entre nós, ou seja, um Estado com a sua «mão esquerda» paralisada e com uma cada vez maior amplitude de movimentos para o seu «braço direito», para utilizar uma metáfora cunhada por Bourdieu e que permite caracterizar adequadamente a época em que vivemos e as políticas que lhe dão sentido. Contrariamente à tese que vem reafirmando o fim do Estado-nação e da política como dimensão estruturante das sociedades, o que se verifica é o seu elevado protagonismo no «assalto à democracia» e ao bem-estar social, reactualizando politicamente a sua natureza classista. Mas é de um Estado «democraticamente reinventado», capaz de cumprir as promessas da modernidade no quadro de uma «democracia de alta intensidade», que a época em que vivemos necessita, como Boaventura Sousa Santos no-lo propõe e os actuais governantes parecem teimosamente apostados em adiar. |
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